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“não precisamos andar vestidos de padres para assumirmos esta vocação”

entrevista concedida à Revista Ímpar, do Jornal Público, no dia 3 dezembro 2023:

 

Quando ambos foram para o seminário, os pais ouviam o seguinte comentário, recorda Pedro de Sousa: “Um era o certinho, o outro era o rebelde. De certeza que o outro não chega a padre.” Antonino “era mais calmo” e Pedro “o rebelde”, mas, contra as profecias, os dois irmãos chegaram a padres. “Mais do que um trabalho e uma profissão”, abraçaram “este modo de vida”, sempre lado a lado. “Sempre fomos um apoio um para o outro”, conta Antonino, o mais velho.

É o mais velho por pouco, tem mais 22 meses do que Pedro, agora com 32 anos. A diferença é pequena, mas suficiente para que tenha sido Antonino o primeiro a ir para o seminário, aos 12 anos, depois de um padre dehoniano ter ido à sua escola. Então eram apenas duas crianças - os únicos filhos - de uma família católica de Paços de Ferreira. “Os nossos pais sempre tiveram ligação a alguns grupos da paróquia, onde nós crescemos e fizemos a nossa aproximação espiritual à Igreja”, começa por explicar.

Pedro acredita que a família é o “terreno” onde vão surgindo as vocações, e a dele nem sempre foi a de ser padre - quis ser arquitecto, designer ou psicólogo. “Somos fruto de valores que nos incutiram, de influências que nos foram sendo passadas. A nossa família, sendo comprometida a nível cristão, também nos transmitiu isso”, observa.

Não esconde que foi graças ao irmão que decidiu ir para o seminário. “O meu irmão entrou para o seminário e, quando chegava a casa ao fim-de-semana, contava-me aquilo que ia fazendo e vivendo. E sentia: ‘Também quero.’” Até porque, dizem, ser seminarista não é assim tão cinzento quanto muitas vezes se pinta. “A começar pela formação de excelência no que diz respeito às aulas. E, depois, o resto do tempo tínhamos música, teatro, jogos, acesso a matraquilhos e coisas que nem pensávamos ter em casa”, enumera Antonino. 

Recordam, com carinho, os festivais de música (que chegaram a ganhar) a que os pais podiam ir assistir. “Cria-se quase como uma família alargada, o que ajudava a colmatar a saudade”, diz Pedro, que reconhece ter havido dias difíceis, ao escolher deixar a família aos 12 anos. “Quantas vezes à noite, quando nos íamos deitar, no momento em que parávamos, não nos caíam as lágrimas pelo rosto.”

Para os pais também foi duro, principalmente pelo “desconhecimento”, observam. “Os meus pais eram pessoas de ir à igreja, mas o seminário para eles era uma coisa esquisita. Era como: ‘Será que o nosso filho não gosta de estar em casa?’”, conta Pedro, que recorda o dia em que foram levar Antonino ao seminário a Rio Tinto e voltaram para casa a chorar. No ano seguinte, foi a sua vez e a família já aceitou melhor.

Ter o irmão sempre ajudou e seguiram juntos também para o seminário seguinte, em Coimbra, e para universidade, em Lisboa. Só nessa altura é que foi preciso tomar a derradeira decisão. “A ficha de ser padre não cai, quando vamos para o seminário. Há muita coisa que vamos vivendo e fazendo que vai limando essa decisão”, analisa Antonino. E Pedro completa: “Isso não se assume quando temos 14 ou 15 anos, mas é um caminho de conhecimento.”

E é uma escolha que se faz diariamente, declaram ambos. “O que me levou a ser padre foi perceber que a nossa vida, quando é partilhada, faz muito sentido. É claro que abdicamos do ideal de construir família, mas encontramos nesta doação de vida à comunidade também o modo de realização e felicidade”, testemunha Antonino. É também o que diz o irmão, que salienta a disponibilidade total: “Gastarmos a nossa vida, aquilo que somos, as nossas alegrias, as nossas dores, pelos outros.”

É esse um dos argumentos que a Igreja usa para justicar o celibato, um dos tantos temas controversos desta religião que os dois irmãos acreditam que deve estar aberta a discussão. “A Igreja está a fazer esse caminho de repensar formas e vivências, não só no que diz respeito ao celibato, mas a outros estilos de vida”, defende Antonino. E exemplica: “Já que falamos de famílias, as famílias reestruturadas, que vêm do segundo ou terceiro casamento, quem tem orientações sexuais diferentes.”

E essa abertura de que falam, remata Pedro, só se consegue com todos, não só os padres. “Em vez de colocarmos o padre numa pirâmide, se calhar pormos numa roda e percebermos que todos somos parte integral da comunidade.” Os dois assumem essa postura perante o sacerdócio. “Antes de ser padre, sou homem, uma pessoa normal”, argumenta Antonino.

“Ser padre não implica deixar de fazer as coisas, fazemos é consoante os nossos valores. Temos uma vida normal, com alegrias e tristezas. Não vejo um padre como uma pessoa fora da órbita”, declara o irmão mais novo. Por isso, não sentem que tenham perdido a juventude, recordando que foram a festivais de música e saíram à noite, como ainda continuam a fazer. E Pedro reitera: “Não precisamos de andar vestidos de padres para assumirmos esta vocação.”

Há quem não veja com bons olhos esta forma de estar no sacerdócio, mas, novamente, lembram que a fé é para todos, mesmo os que são mais conservadores “Há pessoas que olham para a Igreja de forma mais resguardada, mais fechada. Olho para isto com muita naturalidade e normalidade”, diz Antonino. O irmão completa logo, lembrando a postura do francês Léon Dehon, fundador da Congregação dos Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus, também conhecidos como “dehonianos”, a que pertencem: “É ter numa mão o jornal e na outra a Bíblia. Só nos tornamos contemporâneos do mundo em que vivemos, quando vivemos no mundo.”

É por isso que faz sentido para ambos estarem activamente no Instagram, apesar não usarem aquela rede social como ferramenta de evangelização. “Não é por aí que me encaminho a nível de proximidade das pessoas, mas compreendo perfeitamente que um padre faça TikToks para valorizar o seu trabalho - está tudo bem”, observa Antonino. A reacção dos seguidores ao saberem que são padres, relatam, divide-se entre os que acham piada e os que lhes dizem: “Padre, meta-se na sua vida e não ande aqui.”

Premeditado ou não, mostram outro lado da Igreja, que pode agradar mais aos jovens adultos, uma franja que crêem estar marginalizada no que toca à fé e a quem dedicam a sua “vida” na pastoral universitária. “Sinto que não conseguimos chegar à faixa etária entre os 25 e os 45 anos, a nível de proposta, de linguagem e de mensagem”, lamenta o mais velho, que diz ser sua missão ajudá-los “a viver a fé, com as [suas] dúvidas e incertezas”. Também procura o mesmo nos cuidados paliativos, área de especialização a que se dedica no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.

Já Pedro está em Madrid, na universidade dos dehonianos (Esic), onde é responsável pelas actividades extracurriculares. Longe um do outro (uma das poucas vezes em que isso aconteceu), os “manos”, como carinhosamente se tratam, continuam a procurar apoio mútuo. “A qualidade que mais admiro no meu irmão é esta capacidade que tem de se relacionar com as pessoas e mostrar e que a Igreja é acolhedora”, elogia o mais novo. Antonino apressa-se a completar: “O meu irmão distingue-se pela abertura de mentalidade e de coração aos novos desafios, por levar a Igreja a meios que não são tão normais.”

São características que consideram essenciais nos padres e que acreditam serem a solução para a fragilidade da Igreja Católica, uma mensagem que elogiam também no bispo de Roma. “É, no fundo, aquilo que o Papa Francisco vem dizendo ao nosso mundo: sermos pessoas com a janela aberta, ou seja, que têm o coração aberto e estão disponíveis para estender a mão a quem está fragilizado”, diz Antonino.

Separados, mas sempre unidos, voltam a reunir-se no Natal, com a família - “símbolo máximo do amor” e “primeiro ponto de encontro e abrigo”. E deixam uma mensagem: “O grande desafio do Natal é fazermo- nos próximos uns dos outros e vivermos com tranquilidade, em paz, nestes dias, porque de outra forma não conseguimos celebrar a família.”

Ah! E não, não há mais padres na família, nem haverá num futuro próximo. “Somos os únicos. Também não exageremos, porque já excedemos a quota”, termina Pedro, entre gargalhadas.

https://www.publico.pt/2023/12/03/impar/noticia/antonino-pedro-sousa-nao-precisamos-andar-vestidos-padres-assumirmos-vocacao-2070273

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